A voz: uma extensão do Corpo
INNER SENSE

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Escrito por Constância Matos

Como facilitador/educador do movimento, você observa sua voz?  Em algum momento parou para prestar atenção ao som e ao desenho dela no espaço? Não me refiro a voz que você acha que poderia ter, mas a sua voz com espaço para expressividade, como ferramenta para tocar o seu aluno. Como sua voz chega ao aluno durante uma sessão de trabalho corporal? Como você tem cuidado de sua voz, esta que é também um de seus instrumentos de trabalho?

Quais os cuidados que podemos ter a fim de que nossa voz falada seja catalisadora de uma agradável experiência corpo/movimento para quem conduzimos no exercício do autoconhecimento, a partir do mover o corpo no espaço/mundo? Será que como facilitadores/educadores do movimento estamos cientes da importância da nossa voz falada; será que temos consciência de que nossa voz falada não está separada da expressividade?  Esta edição do nosso caderno corporal convida você a pensar a voz como uma extensão do corpo.

A voz faz parte da nossa identidade e sabemos que existem outras possibilidades de nos comunicarmos como por exemplo: pelo olhar, pelos gestos, pela expressão corporal, pela expressão facial, mas a nossa voz é responsável por uma porcentagem muito grande das informações que trocamos com nossos interlocutores. Alguns estudiosos defendem o pensamento de que a nossa fala se desenvolveu para preservação da nossa espécie. (Cohen, 2015 p. 173)

A partir da  nossa voz é possível notar disponibilidade, segurança, flexibilidade, atenção, cuidado, estado de humor ou seja, os nossos sentimentos e emoções são expressos em nossa voz, por esta razão começaremos o nosso passeio pelas estruturas básicas do mecanismo vocal pela faringe, que segundo a criadora do método Body Mind Centering, Bonnie Cohen, é o continuum da expressão e comunicação; a Educadora Somática refere-se a faringe como o nosso “self intuitivo, como um instrumento da expressão humana.

 A faringe é o nosso instrumento de expressão – de comunicação e relacionamento entre nós e os outros, do nosso self intuitivo e inteligente mais profundo com o conhecimento que está fora da nossa experiência.

Cada um de nós tende a enfatizar diferentes humores ou modos de comunicação, tendo acesso automático a alguns ou dificuldade ou desconforto para expressar outros. Algumas pessoas se sentem mais confortáveis na faringe inferior, que é mais guiada pela percepção cinestésica interior. Outras são mais expressivas na faringe média, que é mais governada pela percepção auditiva externa e pela interação social. Outras ainda focalizam sua expressão predominantemente na faringe superior, com atividade mais visual e intelectual. A extensão total de tons expressos se aprofundará quando acentuarmos a laringe inferior e subirá quando focalizarmos mais alto na faringe. (Cohen, 2015 p.170)

Além de estar relacionada à expressividade, a faringe é responsável pela produção e escala das vogais e também pela ressonância. Faz parte do sistema digestório/respiratório e é composta por três cavidades: a nasofaringe, que está localizada atrás do nariz, a orofaringe, localizada atrás da boca na parte de trás da garganta e a laringofaringe, localizada atrás da base da língua, acima da laringe e do esôfago.

A Laringe é um componente do sistema respiratório vocal e é responsável pela altura e intensidade da voz, mas a sua função principal está relacionada à proteção das vias inferiores, ela se encarrega de que nenhum líquido ou alimento seja aspirado e chegue aos nossos pulmões. Se na faringe está localizado o nosso “self intuitivo” é na laringe que damos intensidade à expressividade deste “self”. É nas cavidades da laringe que as vogais são modificadas para dar o tom das nossas emoções. Uma curiosidade da laringe é que ela começa a descer, alongar-se a partir do nascimento e aos seis meses já não é possível para um bebê engolir e respirar ao mesmo tempo. Na vida adulta a laringe se encontra anatomicamente alongada favorecendo a nossa linguagem vocal.  É na laringe que estão situadas as nossas pregas vocais.

As pregas vocais também conhecidas como cordas vocais se apresentam como dois lábios horizontais localizados na laringe. A produção da voz acontece graças à passagem do ar que vem dos pulmões durante o ato da expiração. O ar faz as pregas vocais vibrarem produzindo o som. O som produzido nas pregas vocais passa por um “alto-falante” natural formado pela faringe, boca e nariz. Estas estruturas são denominadas cavidades de ressonância. Os sons da fala são articulados na cavidade da boca, através de movimentos da língua, lábios, mandíbula, dentes e palato.

Especialistas em trabalhos vocais do campo somático relacionam a boa emissão da voz, ao posicionamento do corpo espacialmente, a uma respiração eficiente, ao apoio do diafragma. Em seus estudos do “soma e voz declamada” o pesquisador e educador somático Frederick Matthias Alexander (1869-955), The Alexander Technique, chama esta organização de “uso consciente do corpo”. Na sua visão, a partir da auto-observação a inteligência corporal que é inata do ser humano, mas na maioria de nós adormecida, é estimulada auxiliando a mente a trabalhar organicamente com o corpo. O estado de auto-observação favorece um despertar corporal, o indivíduo começa a observar tensões e padrões desnecessários, o que proporciona um direcionamento do corpo no espaço favorecendo a qualidade da emissão da voz.

O interesse de Alexander pelo estudo da voz/corpo somático, se deu quando ele passou a ter dificuldades para declamar Shakespeare. Alexander era ator e sua voz era o seu instrumento de trabalho, portanto sua carreira estava ameaçada. Procurou por ajuda, mas os especialistas da época não conseguiram ajudá-lo e assim começou o trabalho por si mesmo. Alexander se pôs em frente de um espelho para realizar os ensaios, foi então que descobriu que ao declamar puxava a cabeça para trás e para baixo, apertando a garganta e comprimindo desta forma suas cordas vocais. Descobriu que ao inibir esse padrão, direcionando a cabeça para cima e para frente de maneira que ela descansasse sobre a coluna poderia andar e falar livremente pelo simples equilibrar da sua cabeça.

A experiência de Alexander nos mostra o quanto estar cinestesicamente consciente do nosso corpo favorece a emissão da nossa voz e o quanto determinados padrões fixados nos impedem de ter uma relação de completude com todos os sistemas corporais.

No Inner a nossa voz ocupa um lugar de destaque, ela toca e guia o aluno. É como se fôssemos contadores de histórias: narramos para nossos alunos uma linda história indicando caminhos que o corpo dele pode percorrer para acessar o movimento interno e chegar ao movimento externo proposto. A partir destas histórias convidamos o aluno à experiência corporal da escuta de si mesmo e do outro, favorecendo a percepção de seus movimentos e a descoberta de novas possibilidades de mover o corpo no espaço-Mundo.

Aqui, retorno ao pensamento da americana Bonnie Cohen; a pesquisadora fala sobre a nossa pouca intimidade com a voz e de como ela passa despercebida pela maioria de nós. Com exceção dos cantores, jornalistas e atores que usam a voz regularmente no seu trabalho, pessoas que não utilizam a voz como instrumento de trabalho não têm um olhar cuidadoso para com ela. E isto acontece em função da ausência da percepção das estruturas vocais.

 “nós vocalizamos aquilo que ouvimos, baseados em padrões neuromusculares estabelecidos em nossa respiração e movimento. Para maior parte das pessoas falar é uma função automática e não percebemos conscientemente as nossas estruturas vocais. Se a integração audição/respiração/movimento/fala estiver desimpedida e desinibida, então o desenvolvimento da linguagem e a produção da fala serão eficientes e não precisaremos perceber conscientemente essas estruturas ou o seu processo”.  (Cohen, p. 150).

Nós, facilitadores/educadores, fazemos parte do grupo de profissionais que utilizam a voz como instrumento de trabalho e como tal, temos o compromisso de cuidar deste instrumento e por que não, criar um espaço para falar da saúde da voz com os nossos alunos, encorajando-os a explorar o padrão vocal-cinestésico-auditivo, incitá-los a construir um relacionamento saudável entre corpo, voz e movimento. Mostrar para eles que embora falar, ouvir e movimentar sejam funções separadas, elas estão Inter-relacionadas e que podemos melhorar, por exemplo, o desempenho da nossa função auditiva, desenvolvendo uma maior sensibilidade cinestésica, o que leva a melhora da nossa expressão vocal. (Cohen, p.176). No princípio pode haver estranhamento em razão de alguns movimentos convidarem a vocalização, mas a partir do momento que os incluímos na rotina de trabalho, passam a ser naturais. Começar a aguçar este olhar de cuidado em nós, talvez seja um ponto de partida para nos sentirmos mais encorajados a passá-los adiante.

Sugestões para começar de maneira simples a cuidar da voz:

Lembrar do caminho para que a emissão da voz aconteça; RESPIRAR pensando no apoio do diafragma. O ar entra pelo nariz (inspiração), encontra apoio no diafragma, bate nas cordas vocais (dois pequenos músculos) e assim se produz o som;

Seja em pé, sentado, manter a coluna no seu eixo ajuda na respiração e na projeção da voz;

Manter as cordas/pregas vocais lubrificadas; o constante atrito causa irritação das pregas vocais e beber água colabora para que as cordas vocais estejam sempre lubrificadas;

Exercícios de vocalizar as vogais e consoantes depois de bocejar;

Um bom sono favorece seu equilíbrio emocional e de suas pregas vocais. Como outros músculos do corpo elas precisam de descanso;

Alimentos ricos em açúcar e gorduras não favorecem a ressonância e a clareza da voz. Opte por alimentos leves e adstringentes, muito café e álcool por exemplo ressecam as pregas vocais.

 

COHEN, Bainbridge Bonnie. Sentir, Perceber e Agir. Educação Somática pelo Método Body – Mind Centering. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2015.

https://www5.pucsp.br/liaac/download/sonoridades-sonorities.pd

https://musica.ufmg.br/nasnuvens/wp-content/uploads/2019/11/Trabalho-07.pdf

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