
Dor: Re-Conhecendo para Buscar Estratégias de Trabalho
Escrito por Constância Matos Movo a perna esquerda de mau jeito E a cabeça do fêmur atrita com o osso da bacia Sofro um tranco E me ouço perguntar Aconteceu comigo ou com o meu osso? E outra pergunta Eu sou o meu osso? Ou sou somente a mente que a ele não se junta E outra, se osso não pergunta, quem pergunta? Alguém que não é osso, nem carne, que em mim habita. Alguém que nunca ouço A não ser quando no meu corpo um osso com outro osso atrita? (Acidente na sala, Ferreira Gullar) Querido leitor, antes de iniciar a sua leitura, peço que feche os olhos e sem fazer muitos ajustes na posição que você se encontra, o convido para gentilmente “escanear” o seu corpo pensando neste corpo tridimensional (frente, atrás e laterais). Pelos pés seria um ótimo começo, então, venha subindo este olhar pelas pernas, pelve, toda a coluna, caixa torácica, braços e por fim chegamos a cabeça. Abra seus olhos! Te pergunto: durante este “escaneamento” você encontrou algum ponto de dor ou desconforto? Um tombo no meio da sala que resultou em uma luxação traumática do quadril foi o mote para o poeta Ferreira Gullar transformar sua dor em um registro poético lindo e sensível revelando o quanto a dor atormenta o nosso corpo e mexe com nossas emoções. De acordo com a Sociedade Brasileira para Estudo da Dor, estima-se que 37% da população brasileira tem queixas de dores que comprometem o sistema músculo esquelético, dores que não desaparecem há pelo menos seis meses, sendo assim classificadas como crônicas. Este percentual equivale a mais ou menos 60 milhões de brasileiros (LIPORACI, 2020, p.14). Muitos dos nossos alunos/pacientes fazem parte deste percentual e na maioria das vezes passaram por inúmeros tratamentos e atendimentos sem terem conseguido aprender a partir de recursos como autonomia, educação em dor e autocuidado a lidar melhor com as suas dores. A dor remete ao funcionamento biológico do organismo, mas também à esfera psíquica (emoções, afetos, sentimentos e a forma com que cada pessoa se relaciona com sua dor). A Associação Internacional para Estudos da Dor (IASP), define a dor como experiência sensorial e emocional desagradável relacionada a dano tecidual real ou potencial, apresentando os seguintes componentes: percepção dolorosa e reatividade emocional. Procuramos nesta edição classificar e contextualizar brevemente a história da dor com o propósito de nas próximas edições do nosso caderno aprofundarmos os temas: Dor, sistema neurofisiológico e o papel das emoções e Dor, exercícios/movimento, olhar somático e trabalho multidisciplinar. Desde os tempos mais remotos até os dias atuais a dor tem sido objeto de pesquisa e atualmente muitos investimentos são realizados a fim de descobrir novos tratamentos, desenvolver drogas e encontrar soluções para o alívio das diferentes dores que acometem o corpo humano. Nos primórdios os povos primitivos compreendiam bem dois tipos de dores: as dores de caráter externo (queimaduras, feridas e fraturas) e as internas (dores de cabeça e abdominais); já as relacionadas às doenças eram atribuídas a forças sobrenaturais e consideradas castigo dos deuses. Nesta época eram utilizados unguentos, banhos e rezas para alívio das dores. Por volta de VIa.C graças a Hipócrates, a dor ganha contornos regionais do corpo, passa a ser sinal determinante da possibilidade diagnóstica e prognóstica e é codificada em graus de intensidade, forte, leve ou aguda. Como terapêutica eram indicados: hipnose, terapias físicas, exercícios e o uso de drogas como ópio e mandrágoras. No século Século II os Estudos de Galeno tornaram o conteúdo anatômico com base no foco da dor mais preciso e específico em torno de um órgão. Sua teoria serviu de referência para a medicina ocidental até o final do século XVIII, palco que marca o nascimento da clínica médica moderna onde passa-se a observar a dor a partir do mecanismo da sensação e percepção. Foi Galeno quem criou a classificação da dor como pulsativa, pungente, tensiva e lancinante utilizada até os dias de hoje. No século XVII Descartes, alimentado pela visão médica do modelo do homem saudável descreve a dor como uma sensação percebida pelo cérebro após a estimulação dos nervos sensoriais, passo inicial para pesquisas do funcionamento cerebral e dos sistemas nervoso central e periférico. O homem passa a ser visto ao modo de operação de uma máquina. Nesta época é possível localizar um corte epistemológico que resulta no advento da ciência moderna. No transcurso do século XVII até o século XVIII a clínica que era artesanal começa a enquadrar-se aos ideais da ciência moderna – Protoclínica. Ocorre o processo de matematização e a linguística influencia e é utilizada para leitura dos sintomas; os casos de dor passam a ser assistidos em hospitais de ensino. A partir da perspectiva do sintoma como signo indicador da presença de uma doença ocorre uma mudança importante no modo de percepção e observação dos quadros álgicos. No final do século XVIII e início do século XIX, acontece a virada da protoclínica para a anatomoclínica, onde Bichat em seu Tratado da Membrana convida os colegas médicos a um novo olhar sobre a dissecação de cadáveres e estudo da anatomia humana. Os pesquisadores passaram a dirigir a atenção para as lesões dos tecidos e menos para os órgãos afetados. Concomitantemente surgiram estudos amalgamando a dor a componentes emocionais considerando os aspectos físicos e psíquicos da dor, evidenciando seu caráter multifatorial. (BRANDÃO. 2020, P.41). No século XX a Biologia e as transformações tecnológicas contribuem para a mudança nas práticas médicas. Os médicos se aproximam dos peritos, os sintomas deixam de ter uma correlação somente com a lesão, cresce o número de pesquisas e estudos apoiando o trabalho multidisciplinar, inaugurando um novo olhar para dor crônica, à luz desse trabalho. Em 1960 no Hospital de Washington um grupo se une e nasce o Centro Multidisciplinar da Dor que foi percurssor de muitos outros centros. Tipos de Dor Dor aguda: A dor aguda é considerada uma dor fisiológica, como um sinal de alerta da maior importância para a sobrevivência. Tem duração limitada no tempo e