INNER SENSE

O Tempo perguntou para o tempo: – Quanto tempo o tempo tem?

O Tempo perguntou para o tempo: – Quanto tempo o tempo tem? O tempo respondeu para o Tempo: – O Tempo tem o tempo que o tempo tem que ter! Simples assim… Existe um tempo entre planejar e executar o planejado. Qual a sua relação com o planejamento? E qual a sua relação com o tempo? Em um mundo em estado de liquidez onde tudo é para ontem, onde o planejado para daqui a seis meses poderá não existir mais, como você lida com esta possibilidade? Você tem conseguido fazer um planejamento que seja coerente com a sua forma de ver e estar no mundo, ou frequentemente se martiriza porque acredita não estar em movimento o quanto o marketing midiático diz que deveria? Já parou para pensar o quanto estes pensamentos reverberam no seu estado corporal, na sua fala e consequentemente na relação com seu aluno/paciente? Compreender o funcionamento do mundo, planejar, conhecer a maneira como nos organizamos em um mundo onde a relação com o tempo está cada vez mais vaporosa, também faz parte do nosso processo de individuação, tema trazido no caderno da edição passada. Para esta edição colaborativa escrita por mim e a Inner Mônica Kestener, Zygmunt Bauman é o convidado para dialogar conosco acerca da nossa relação com o tempo/espaço, sobre planejamento e o entrelaçamento destas questões com o coletivo. Boa leitura! Impossível negarmos a influência da “Modernidade líquida” em nosso comportamento e de todos à nossa volta. Para falar sobre a relação espaço /tempo, Bauman usa três palavras para demarcar a relação dos indivíduos com o tempo/espaço e a transição da modernidade sólida para a líquida; são elas: wetware, hardware e software. Wetware seria a relação tempo e espaço na era pré–moderna, onde espaço e tempo se confundiam, onde o longe, tarde, perto e cedo significava o mesmo; o tempo que levamos para percorrer uma distância, fosse este caminhando, montado a cavalo, semeando ou arando, era um tempo de demora. A era Hardware classificada pelo autor como pesada – fez-se presente graças à aceleração e à conquista territorial. No Hardware o tempo passa a ser manipulado ou dimensionado, utilizado como ferramenta para conquista de espaço, quanto mais terra mais poder. Quanto mais velozes os indivíduos viessem a ser, no sentido de conseguirem chegar a um determinado lugar antes que outras, mais riquezas e posses acumulavam, o que caracterizou o tempo como uma ferramenta para conquista de bens e apropriação de terras.”(Bauman,2001) Segundo Bauman, o advento da invenção dos meios de transporte fez com que o tempo que antes sofria uma ação direta da inflexibilidade do Wetware e as distâncias, deixasse de ser o problema para que os humanos incursionassem em suas viagens. O tempo torna-se assim, um problema do hardware que nós humanos inventamos, construímos e manipulamos diferente do wetware impossível de esticar e controlar a extravagância de seus ventos e suas águas. No hardware o tempo se tornou independente das dimensões inertes e imutáveis das massas de terra e mares. O tempo no hardware passa a ser manipulado, tornando-se um parceiro de ruptura, necessário no casamento tempo-espaço. Certamente vocês já ouviram aquela famosa frase de Benjamin Franklin “tempo é dinheiro”, slogan que só confirmou a condição do homem como o “fazedor de ferramentas”. (Bauman, 2001). Podemos desta forma associar o começo da modernidade à emancipação do tempo em relação ao espaço, à aceleração e a conquista e chegada a lugares longínquos. A relação entre tempo e espaço sai de um lugar predeterminado e estagnado para um lugar mutável e dinâmico:  A “conquista do espaço” veio a significar máquinas mais velozes, o movimento acelerado significava maior espaço, e acelerar o movimento era o único meio de ampliar o espaço. […] era o princípio operativo da civilização moderna, se centrava no desenho de modos de realizar mais rapidamente as tarefas, eliminando assim o tempo “improdutivo”, ocioso, vazio e, portanto desperdiçado; ou, para contar a mesma história em termos dos efeitos e não dos meios da ação, centrava-se em preencher o espaço densamente de objetos e ampliar o espaço que poderia ser assim preenchido num tempo determinado. (Bauman, 2001. p. 131). A pós-modernidade ou a modernidade leve é movida pelo software. É o período das redes, da volatilidade, do rápido, instantâneo, era dos espaços múltiplos-virtuais e urbanos. Era do desenvolvimento técnico-científico-informacional. Podemos pensar que no wetware as redes se formam lentamente e de forma local, no hardware elas estão mais velozes, na velocidade de máquinas e sistemas de transporte, ainda com fronteiras locais. Já no software a rapidez aumenta, as distâncias encurtam e o tempo acelera, tudo se conecta em um mundo globalizado fazendo-se necessário ativar o sensor da intuição e sensibilidade para reconhecermos os lugares que acolhem da melhor forma nossa maneira de nos relacionarmos com o outro e com o que está a nossa volta. Trazendo os termos para a organização biológica do corpo; “wet” seria uma referência à água encontrada nas criaturas vivas. O Wetware é usado para descrever os elementos equivalentes ao hardware e software encontrados em uma pessoa, especialmente o sistema nervoso central (SNC) e a mente humana . O componente “hardware” do wetware diz respeito às propriedades bioelétricas e bioquímicas do SNC, especificamente do cérebro. Os impulsos que viajam pelos neurônios poderiam ser considerados simbolicamente como software, os neurônios físicos seriam o hardware. A fusão software/hardware, se manifesta por meio de conexões físicas em constante mudança e influências químicas e elétricas que se espalham por todo o corpo; o processo pelo qual a mente e o cérebro interagem para produzir a coleção de experiências que definimos como autoconsciência. Organizar-nos somaticamente torna-se de grande valia para o não endurecimento dos pensamentos; facilita o trânsito nas eras wetware, hardware e software, colaborando para o pensamento livre e criativo, centrado no que vamos fazer, como fazer e onde empregar o planejado. Se não sabemos o que fazer, como estamos fazendo e onde queremos chegar, não atingiremos nossos objetivos. E tudo bem se precisarmos de ajuda para nos organizarmos, a nossa rede foi justamente construída com o

INNER SENSE

Não somos uma ilha

“Sua visão se tornará clara somente quando você olhar para dentro do seu coração. Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, acorda.” Carl Jung Inners, Vocês já ouviram falar do processo de individuação? Talvez não com este nome, mas hoje em dia esta palavra está cada vez mais presente, inclusive no mundo do movimento, graças a aproximação com a filosofia, a psicanálise, a educação somática, e a neurociência. O convite do caderno corporal desta edição é pensarmos sobre a relação do processo de individuação com a aisthesis e o encadeamento destes com o nosso trabalho de facilitadores do movimento. Boa leitura! Hoje muito se fala em autoconhecimento, infelizmente, modismos têm levado a interpretações que longe de nos direcionar, nos afastam do sentido da coisa em si. Segundo a psicologia, principalmente a psicologia de Carl Jung, o processo de individuação culmina no autoconhecimento e que de certa forma todo ser vivente caminha nesta direção, alguns com mais facilidade e conscientemente, outros porque acontecimentos os levam até este lugar; outros não identificam e morrem sem passar por este processo em razão do ego, os complexos e o self não se afinarem. O termo individuação já era utilizado na filosofia do final do século X e início do século XI quando Jung o trouxe para ser a base angular do seu trabalho. Por Individuação entende-se o encontro com o self (com o si mesmo) a partir da colaboração do ego, dos complexos e arquétipos. Quando em determinada fase da nossa vida perguntamo-nos o que estamos fazendo aqui: quais as minhas responsabilidades para comigo e para com a sociedade; quando deixo de responsabilizar os outros pelo que acontece comigo, quando consigo mergulhar em mim mesmo, depois descolar de mim e olhar o que acontece com o mundo, pode se assim dizer que estou no caminho do processo de individuação. Jung dizia que o homem não é uma tábua rasa e que o processo de conhecer a si mesmo ao fim e ao cabo diz muito de/do como podemos contribuir a partir dos nossos talentos para o bem do outro, que este conhecer a si mesmo, no sentido do belo é compartilhar a essência encontrada em nós com o mundo. Como abordado no início do texto, atualmente o autoconhecimento, o processo de individuação está distorcido, chegando mesmo a ser confundido com individualismo e sendo vendido por profissionais de diferentes áreas do conhecimento nos canais que nos conectam com o mundo envolto por um laço colorido na mais bonita caixa que vimos na vida e o contexto da pandemia só exacerbou isto. E quando abrimos a tal caixa, o que encontramos lá dentro é um emaranhado de coisas a serem organizadas. E quem está neste processo de forma séria há algum tempo sabe muito bem quantas marretas estão sendo necessárias para lapidar o diamante bruto e sabe também da beleza de ver o brilho de cada faceta lapidada. Pergunto a vocês: como nós, enquanto facilitadores do movimento somático, proporcionamos este lugar de encontro com nós mesmos e em nossos alunos/pacientes? Como proporcionar verdadeiramente um lugar de acolhimento, para juntos trilharmos este percurso? Cada vez mais os estudos científicos comprovam que as técnicas somáticas disponibilizam o corpo, corroborando para que o sujeito vá ao encontro do processo de conhecer a si mesmo, processo tão necessário para vivermos com plenitude a vida. E todos sabemos que quando nos sentimos plenos, nos sentimos mais disponíveis para os atravessamentos. O Inner parte da primícia de que somos pedras brutas a serem lapidadas a cada experiência vivida, acreditamos que a partir do movimento somos incitados a estarmos vulneráveis para facilitar o mergulho em nós mesmos e que esta qualidade (vulnerabilidade) nos abre para as conexões facilitadas por um dos órgãos mais sensitivos, imaginativos e criativos do corpo – o nosso coração. Orgão tão importante e muito mencionado no método, órgão que no mundo antigo era associado às coisas pelos sentidos. Aqui chamamos a atenção de vocês para a palavra aisthesis, palavra de origem grega, que significa literalmente perceber o mundo a partir das nossas sensações e trazê-lo para dentro. (Hillman, p. 93). Quando se fala de mundo, estamos falando de tudo que diz respeito a nós, aos outros e a natureza. De acordo com Hillmann, autor em quem me apoio para este diálogo, o nosso coração nos aproxima e faz uma ponte para este lugar do belo, não no sentido estético, mas no lugar do sentido de perceber as coisas ao nosso redor, da conexão com as nossas emoções, nossas sensações, a fim de facilitar este encontro conosco e com os nossos alunos/pacientes: na interpretação neoplatônica, a beleza é simplesmente a manifestação, a exposição de fenômenos, a apresentação da anima mundi, se não houvesse beleza, deuses, virtudes, e formas não poderiam ser reveladas. A beleza é uma necessidade epistemológica, aisthesis é como conhecemos o mundo.[…]. Um faro para a inteligibilidade das coisas, seu som, seu cheiro, forma, falar para e através das reações do nosso coração, respondendo a olhares e linguagem, tons e gestos das coisas entre as quais nos movemos. Vivemos para empreender o processo do autoconhecimento e da individuação, deste encontro com a nossa essência, reconhecemos nosso lugar no mundo no qual transitamos onde a meta final é o compartilhar, dividir, colaborar com o outro, através do nosso trabalho, sermos agentes de mudança na vida do outro e na nossa própria vida. Como sempre nos lembra Bruna Petito, estamos em uma constante troca onde o corpo torna-se um mediador entre a identidade de si e as conexões com o mundo a partir das experiências. Referências consultadas HILLMAN James. O pensamento do coração e a alma do mundo. Campinas, SP: editora Verus. 2010: https://www.ijep.com.br/artigos/show/individuacao-a-arte-de-tornar-se-quem-voce-e Individuação: a arte e tornar-se quem você é. Monica Martinez – 13/05/2021: https://youtu.be/ST-_oa2ER2I Individuação o que é e qual a sua importância na Teoria Junguiana – IJEP – INSTITUTO JUNGUIANO DE SÃO PAULO. 14/06/2020: https://www.instagram.com/reel/CbudmZCDwg5/?utm_medium=copy_link Post Inner Balance – Por que a percepção é tão importante?