INNER SENSE
Não precisamos caminhar sozinhos – A importância do olhar interdisciplinar no cuidado com o outro

A alma respira através do corpo, e o sofrimento, quer comece no corpo ou numa imagem mental, acontece na carne.
António Damásio

Quando conscientes de nós mesmos e em frequência com o Universo, a vida nos dá condições de exercermos com humanidade o nosso papel enquanto facilitadores do movimento Somático.  É muito importante estarmos atentos a linguagem corporal e também a fala do nosso aluno/paciente, desde o momento que ele chega a sala de trabalho, pois este primeiro contato já nos dá pistas de como procedermos para a construção de uma relação que promova abertura para os processos de conhecimento de si e o encontro das possibilidades deste sujeito de mover o corpo no espaço/mundo. Uma boa relação com o aluno/paciente, além de promover confiança nos aproxima do seu corpo subjetivo, possibilitando-nos observar e avaliar a necessidade de trazer conosco profissionais de outras áreas, para juntos encontrarmos o melhor caminho para as questões e queixas que o paciente/aluno nos apresenta,  principalmente quando estamos falando de indivíduos com dores crônicas. Este olhar faz parte da abordagem do ser humano no chamado modelo biopsicossocial.

De acordo com Liporaci, autor que dialoga conosco, este modelo de pensamento clínico afirma que grande parte das doenças tem sua origem não somente nos fatores biológicos, mas também psicológicos e sociais, que podem ser um gatilho para alterações no processo biológico do corpo. Esta forma de pensar o ser humano é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que sustenta que os “profissionais precisam ampliar o raciocínio da análise diagnóstica e de tratamento a fim de promover segurança, conforto e bem estar para o sujeito a ser cuidado”.

Uma equipe interdisciplinar pode contar com médico, fisioterapeuta, Educador físico, Terapeuta corporal, Psicólogo, lembrando que todos esses profissionais ocupam um lugar relevante. Esta forma de pensar tem um fator que para nós facilitadores do Movimento Somático, formados no método Inner Balance, é caro: a autonomia.  Este modelo sustenta que o paciente/aluno não pode ser considerado vítima passiva da dor ou doença, mas que ele faz parte do processo, da gênese até a cura.  

O modelo biopsicossocial tem por base que cada profissional da saúde (médico, fisioterapeuta, psicólogo, educador físico etc.) possa compreender que para tratar uma doença é necessário utilizar um arsenal terapêutico pertinente a cada especialidade. Algo que contemple não somente a parte biológica, mas também o aspecto psíquico e o sociocultural.(…) a proposta será que utilize sua expertise para a melhora da função física, além de mapear os componentes emocionais (como o temor presente ao realizar certos movimentos), sociais e de estilo de vida (carga de trabalho, estresse ocorrido, alteração de sono, sedentarismo) e cognitivos (pensamentos pessimistas acerca do problema, convicções infundadas sobre seu corpo e sobre riscos injustificados que não tem relação com o agravamento do quadro, por exemplo), e trazer à luz as fragilidades que, somadas, compõem aquela amplitude de dor, para que o paciente possa ter autorresponsabilidade de entendê-las e saná-las seja por conta própria, seja com a ajuda de profissionais especializados. (Liporaci, p.61).

 

No primeiro caderno sobre o tema “Dor”, (DOR: RE-CONHECENDO PARA BUSCAR ESTRATÉGIAS DE TRABALHO) vimos que conceitualmente a dor é entendida como uma experiência sensorial e emocional desagradável relacionada a dano tecidual real ou potencial apresentando os seguintes componentes: percepção dolorosa e reatividade emocional. Ela  é percebida pelos nossos tecidos corporais, nossas emoções, mas também está relacionada aos aspectos psíquicos, como o sujeito elabora os acontecimentos em sua vida. Se a capacidade de percepção e de resolução de problemas do sujeito é pouca ou nula, ele tem chances de sentir a dor com mais intensidade e ter uma resposta mais lenta para o alívio da mesma, enquanto o outro que tem uma capacidade de resolução de problemas mais eficaz, elabora uma resposta mais rápida que corrobora para a remissão da dor (LIPORACI, p.37). A mente de um corpo com pouca  capacidade de resolução de problemas, fragilizado pela dor, é um ambiente fértil para avolumar  mitos e crenças infundadas acerca da dor; mitos que infelizmente interferem nos resultados do tratamento.

Sabemos que …”as crenças dos pacientes impactam diretamente  no resultado do tratamento.” (2019, Internacional Journal of Osteopathic Medicine). 

Um estudo realizado com 113 pacientes de (18-67 anos), que sofriam de dor crônica e tinham muitas crenças em relação a dor concluiu que o trabalho corporal somado ao diálogo terapêutico que abordava os aspectos psicossociais da dor  colaborou para melhoria da prontidão para mudança, graças a aceitação e compreensão por parte do paciente da conexão corpo-mente. Está claro que a interdisciplinaridade se torna indispensável, quando as limitações e crenças do aluno/paciente impactam diretamente no resultado dos tratamentos convencionais. 

As limitações e as crenças podem  ter diversas origens, como episódios de trauma por lesão anterior, registros mentais relacionados a violências, tratamentos anteriores não satisfatórios, contexto social e, principalmente, o referencial subjetivo e intangível do próprio paciente/aluno.

Neste contexto, a integração interdisciplinar deverá atuar de forma humanizada conduzindo um tratamento contextualizado a realidade do paciente/aluno. 

É necessário que os profissionais envolvidos no tratamento de dores crônicas de ordem psicossomática ou não, também identifiquem suas próprias crenças e limitações,

desenvolvendo a partir desta compreensão suas habilidades de comunicação empática que acolham esses sujeitos e esclareçam suas dúvidas, medos e angústias com uma linguagem acessível e de forma mais simples possível, criando um laço de confiança que influenciará positivamente nos resultados e qualidade de vida de seus pacientes/alunos.

Até a próxima edição. 

Constância e Luciana 

Bibliografia consultada 

LIPORACI, Rogério. Acredite a vida sem dor é possível: entenda a origem da dor crônica que limita seu bem-estar físico, saiba como enfrentá-la para obter resultados duradouros e resgate sua autoconfiança. Ed. Gente. São Paulo, SP, 2020

https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0020748909003939 visualizado em 19/02/2022

 

professor Leandro Reche

www.leandroreche.com.br

International Journal of Osteopathic MedicineVol. 32p28–43Published online: April 12, 2019

https://www.journalofosteopathicmedicine.com/article/S1746-0689(18)30131-7/fulltext 

 

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