“Sua visão se tornará clara somente quando você olhar para dentro do seu coração. Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, acorda.”
Carl Jung
Inners, Vocês já ouviram falar do processo de individuação? Talvez não com este nome, mas hoje em dia esta palavra está cada vez mais presente, inclusive no mundo do movimento, graças a aproximação com a filosofia, a psicanálise, a educação somática, e a neurociência. O convite do caderno corporal desta edição é pensarmos sobre a relação do processo de individuação com a aisthesis e o encadeamento destes com o nosso trabalho de facilitadores do movimento. Boa leitura!
Hoje muito se fala em autoconhecimento, infelizmente, modismos têm levado a interpretações que longe de nos direcionar, nos afastam do sentido da coisa em si. Segundo a psicologia, principalmente a psicologia de Carl Jung, o processo de individuação culmina no autoconhecimento e que de certa forma todo ser vivente caminha nesta direção, alguns com mais facilidade e conscientemente, outros porque acontecimentos os levam até este lugar; outros não identificam e morrem sem passar por este processo em razão do ego, os complexos e o self não se afinarem.
O termo individuação já era utilizado na filosofia do final do século X e início do século XI quando Jung o trouxe para ser a base angular do seu trabalho. Por Individuação entende-se o encontro com o self (com o si mesmo) a partir da colaboração do ego, dos complexos e arquétipos. Quando em determinada fase da nossa vida perguntamo-nos o que estamos fazendo aqui: quais as minhas responsabilidades para comigo e para com a sociedade; quando deixo de responsabilizar os outros pelo que acontece comigo, quando consigo mergulhar em mim mesmo, depois descolar de mim e olhar o que acontece com o mundo, pode se assim dizer que estou no caminho do processo de individuação. Jung dizia que o homem não é uma tábua rasa e que o processo de conhecer a si mesmo ao fim e ao cabo diz muito de/do como podemos contribuir a partir dos nossos talentos para o bem do outro, que este conhecer a si mesmo, no sentido do belo é compartilhar a essência encontrada em nós com o mundo. Como abordado no início do texto, atualmente o autoconhecimento, o processo de individuação está distorcido, chegando mesmo a ser confundido com individualismo e sendo vendido por profissionais de diferentes áreas do conhecimento nos canais que nos conectam com o mundo envolto por um laço colorido na mais bonita caixa que vimos na vida e o contexto da pandemia só exacerbou isto. E quando abrimos a tal caixa, o que encontramos lá dentro é um emaranhado de coisas a serem organizadas. E quem está neste processo de forma séria há algum tempo sabe muito bem quantas marretas estão sendo necessárias para lapidar o diamante bruto e sabe também da beleza de ver o brilho de cada faceta lapidada. Pergunto a vocês: como nós, enquanto facilitadores do movimento somático, proporcionamos este lugar de encontro com nós mesmos e em nossos alunos/pacientes? Como proporcionar verdadeiramente um lugar de acolhimento, para juntos trilharmos este percurso? Cada vez mais os estudos científicos comprovam que as técnicas somáticas disponibilizam o corpo, corroborando para que o sujeito vá ao encontro do processo de conhecer a si mesmo, processo tão necessário para vivermos com plenitude a vida. E todos sabemos que quando nos sentimos plenos, nos sentimos mais disponíveis para os atravessamentos. O Inner parte da primícia de que somos pedras brutas a serem lapidadas a cada experiência vivida, acreditamos que a partir do movimento somos incitados a estarmos vulneráveis para facilitar o mergulho em nós mesmos e que esta qualidade (vulnerabilidade) nos abre para as conexões facilitadas por um dos órgãos mais sensitivos, imaginativos e criativos do corpo – o nosso coração. Orgão tão importante e muito mencionado no método, órgão que no mundo antigo era associado às coisas pelos sentidos. Aqui chamamos a atenção de vocês para a palavra aisthesis, palavra de origem grega, que significa literalmente perceber o mundo a partir das nossas sensações e trazê-lo para dentro. (Hillman, p. 93). Quando se fala de mundo, estamos falando de tudo que diz respeito a nós, aos outros e a natureza. De acordo com Hillmann, autor em quem me apoio para este diálogo, o nosso coração nos aproxima e faz uma ponte para este lugar do belo, não no sentido estético, mas no lugar do sentido de perceber as coisas ao nosso redor, da conexão com as nossas emoções, nossas sensações, a fim de facilitar este encontro conosco e com os nossos alunos/pacientes: na interpretação neoplatônica, a beleza é simplesmente a manifestação, a exposição de fenômenos, a apresentação da anima mundi, se não houvesse beleza, deuses, virtudes, e formas não poderiam ser reveladas. A beleza é uma necessidade epistemológica, aisthesis é como conhecemos o mundo.[…]. Um faro para a inteligibilidade das coisas, seu som, seu cheiro, forma, falar para e através das reações do nosso coração, respondendo a olhares e linguagem, tons e gestos das coisas entre as quais nos movemos.
Vivemos para empreender o processo do autoconhecimento e da individuação, deste encontro com a nossa essência, reconhecemos nosso lugar no mundo no qual transitamos onde a meta final é o compartilhar, dividir, colaborar com o outro, através do nosso trabalho, sermos agentes de mudança na vida do outro e na nossa própria vida. Como sempre nos lembra Bruna Petito, estamos em uma constante troca onde o corpo torna-se um mediador entre a identidade de si e as conexões com o mundo a partir das experiências.
Referências consultadas
HILLMAN James. O pensamento do coração e a alma do mundo. Campinas, SP: editora Verus. 2010:
https://www.ijep.com.br/artigo
Individuação: a arte e tornar-se quem você é. Monica Martinez – 13/05/2021:
https://youtu.be/ST-_oa2ER2I
Individuação o que é e qual a sua importância na Teoria Junguiana – IJEP – INSTITUTO JUNGUIANO DE SÃO PAULO. 14/06/2020:
https://www.instagram.com/reel
Post Inner Balance – Por que a percepção é tão importante?