O processo de cada um – o corpo no espaço/mundo
INNER SENSE

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A tomada de consciência, o habitar o próprio corpo é o primeiro passo para a conquista do bem-estar.  O modo operativo ocidental moderno separou o corpo da mente, do espírito e também da natureza como se uma coisa fosse dissociada da outra, o que contribuiu para nos afastar da saúde integral do corpo. Esta fragmentação nos alienou a ponto de refletir não somente na relação do eu conosco como também na construção das relações com o outro e com o mundo. O momento atual em que vivemos é uma oportunidade de resgatarmos a intimidade com esse corpo e a partir disto evoluirmos em nossos processos individuais e nesta relação com o externo.

Leloup em seu livro, O Corpo e seus Símbolos – Uma antropologia essencial -pergunta o quanto estamos disponíveis e abertos para escutarmos nosso corpo e mais: Leloup afirma que podemos não estar inteiros nesta escuta, que uma parte de nós, um membro ou um órgão pode estar fechado ao próprio movimento e que cada indivíduo tem seu tempo e seu processo para esta escuta.

 “tudo nos é dado mas nem tudo é recebido, cada um de nós de modo particular e pessoal, tem um espaço de abertura e um espaço de fechamento”. (Lelloup, 2015,  p.17)

Segundo o autor, a não abertura de determinada parte do corpo para a tomada de consciência acontece em razão da somatização de acontecimentos tanto na ordem física, psíquica, afetiva ou espiritual.  A temática sobre o despertar corporal, essa tomada de consciência do corpo no mundo abordada acima, é um convite para nós, facilitadores do movimento, a refletir sobre algumas questões fundamentais: o por quê e para que essa tomada da consciência corporal. Como me organizo e reconheço o meu próprio processo “de corpo no mundo”, como isto reflete nas minhas aulas e como posso auxiliar o meu aluno no processo dele?

Vamos a primeira das questões, o por quê e para que: qual a real importância de participar a nós mesmos e aos nossos alunos essa autopercepção, essa tomada de consciência do corpo? Pesquisas atuais do campo somático defendem que a autopercepção corporal, a organização interna do corpo aprimora a relação com o espaço externo, contribuindo para que o indivíduo realize movimentos cotidianos com a naturalidade e eficácia devida, ou seja, acontece uma ótima estruturação deste corpo em sua relação com a gravidade.

Outra questão observada é a melhora dos relacionamentos. Estando disponíveis para nós mesmos nos sentimos mais estáveis e confiantes e estendemos essa disponibilidade às pessoas com as quais nos relacionamos, uma espécie de maturidade corporal nos põe em um lugar mais confortável para que as possíveis trocas com o outro possam fluir espontaneamente.

Como me organizo e reconheço o meu próprio processo “de corpo no mundo”, como isto reflete nas minhas aulas?  Me apoio em Thérèse Bertherat para falar do quão significativo é para o aluno o corpo do professor:

“O corpo docente é antes de tudo o corpo de cada professor. O saber que o professor propõe é, certamente, o que ele aprendeu através da sua própria reflexão, mas também, e simultaneamente, através da experiência do seu corpo”. (Bertherat, 2010,p. 141)

A autora considera indispensável que sejamos sérios em nossas investigações, na busca de nossa tomada de consciência corporal para fundamentarmos nosso trabalho para com nossos alunos e sejamos exemplo para os mesmos. Nos exorta a sermos uma árvore do conhecimento para o nosso aluno, principalmente nos trabalhos iniciais quando este chega buscando uma referência. Nos conhecendo, acessamos melhor o corpo do outro e aos poucos vamos contribuindo para o encontro consigo mesmo.

É óbvio que não existe uma receita pronta que conduza a nós mesmos e aos nossos alunos a acessar de prontidão a percepção do corpo no espaço/mundo. Nós como facilitadores de movimento, precisamos reconhecer nossos processos, acolher as nossas próprias angústias para então compreender e auxiliar o processo de cada aluno individualmente. Tal qual um cuidador que está presente quando um bebê se aventura em seus primeiros passos, nós facilitadores do movimento devemos acompanhar nossos alunos como guias, aguçando-lhes a curiosidade para com o próprio corpo, sempre os encorajando e transmitindo-lhes ânimo e confiança. Como pedagogos do movimento, precisamos ser auxiliadores daqueles que nos confiaram seus corpos no processo de sentir e perceber as sensações do mover o corpo no espaço/mundo.

BERTHERAT Thérèse – O corpo tem suas razões – antiginástica e consciência de si. p.141

LELOUP – Jean Yves – O Corpo e seus símbolos. Uma antropologia essencial p.17 e 18

Texto de Constância Matos

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