Percepção, Movimento e Toque
INNER SENSE

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Escrito por Constância Matos

“A experiência do movimento e do toque são fundamentais para descobrirmos quem somos e quem é o outro. É como dançamos juntos nesta vida.” – Bonnie Bainbridge Cohen

Como estou hoje? Como meu aluno/paciente está hoje? Como toco meu aluno? Como facilitador estou presente e consigo ver as necessidades do meu aluno, ou sem olhar verdadeiramente o indivíduo que está na minha frente começo a fazer intervenções que presumo necessárias para aquele corpo?

Cada mecanismo biológico, cada tecido tem um ritmo e uma maneira de se adaptar aos estímulos recebidos do meio, conferindo a cada corpo uma individualidade e uma maneira de sentir e perceber o ambiente, o toque, o movimento. Isto posto é importante que professor/facilitador do movimento e aluno/paciente, construam uma relação de confiança, na qual haja uma sinergia, um diálogo corpóreo onde – o profissional entenda as necessidades de seu aluno – e o aluno descubra as suas possibilidades de movimento. Aqui novamente cabem outras questões: o que posso fazer para que esse diálogo aconteça? Como aproximar este aluno do seu próprio corpo e logo do meu corpo/professor/facilitador? Lembrando que para uma boa relação com o outro e com o espaço, o indivíduo precisa antes reconhecer o lugar que seu corpo ocupa neste espaço. Como podemos ocupar o mesmo espaço para dançarmos juntos?

O professor e pesquisador Fernando Bertolucci, criador da metodologia Toque de Tensegridade, nos lembra que todos nós nascemos com a capacidade sensorial de se perceber no mundo e que esta capacidade da consciência faz parte do programa do corpo, porque cérebro e corpo trabalham em sincronicidade. Ele considera que as fáscias são desenhadas pelo movimento, logo o corpo é o próprio movimento e defende que a pandiculação, o espreguiçar, restabelece as dimensões e as relações espaciais da tensegridade do corpo e que isto foi imprescindível para a sobrevivência da espécie humana nos primórdios, já que movimentar o corpo era necessário para não sermos devorados pelos predadores.

Já a pesquisadora Bonnie,( BMC Body Mind Centering ), defende que a percepção é o próprio movimento, sendo desenvolvida ainda no útero da mãe.

No útero, enquanto o feto se movimenta, ele recebe um feedback tátil
imediato de si mesmo e de seu ambiente – as partes do seu corpo se
esfregam umas nas outras, contra a parede do útero e contra o líquido amniótico. Enquanto o feto se movimenta, ele empurra os órgãos da mãe, os quais, por sua vez, empurram de volta contra o feto. Quando a mãe se movimenta, há mudanças no líquido e na pressão dos órgãos contra a pele do feto. (Cohen, p. 217)

Bonnie fala da necessidade de diferenciarmos Sensação de Percepção; na sua visão, a primeira é o aspecto mais mecânico, envolve o estímulo dos receptores sensoriais e dos nervos sensoriais. Já a percepção para a autora, é como nos relacionamos no âmbito pessoal com as informações que recebemos; seria à maneira como nos relacionamos conosco, com os outros, com a terra, com o universo, ou seja, com o que está à nossa volta. Explica ainda, que todos temos órgãos sensoriais semelhantes, mas as nossas percepções são totalmente únicas.

Sentir não é apenas ser passivamente estimulado; perceber não é
apenas receber informação de forma passiva; motor não é apenas
responder de modo direto à estimulação; há atividade perceptual na atividade motora e atividade motora na recepção de informação e na percepção. O aprendizado é uma abertura de nós mesmos para a experiência da vida. A abertura é um ato motor; a experiência é a interação entre acontecimentos sensoriais e motores. Quando a experiência do movimento está integrada em nossa educação, a percepção de nós mesmos e do mundo muda. (Cohen, p. 219)

Em suas investigações com bebês com dificuldades e trauma após o nascimento, ela observou que independente da causa inicial, o toque foi um facilitador para a organização da criança no espaço, para desfazer seus caminhos ineficientes e estabelecer uma base para seu ótimo desenvolvimento. A autora cita também a abertura para a percepção proporcionada pelo Contato Improvisação. Em função do estímulo sensorial e habilidade de resposta ao parceiro, os dançantes tocam e são tocados, se movem e são movidos pelo ambiente, recebem informações e descobrem possibilidades e em contato, habitam o mesmo espaço.

Observamos que em determinadas situações ocorre a necessidade do corpo ser tocado, ser direcionado, localizado no espaço. O cuidado que devemos ter é para que este toque não seja um toque pelo toque, mas sim, um toque preciso que realmente oriente/conduza o corpo do nosso aluno no espaço para que desta maneira ele seja conduzido ao lugar proposto.

Acredito que podemos considerar que os autores conversam entre si, ambos acreditam que a percepção é algo inerente do ser humano, que corpo e mente não são separados e que estão em experiência com o todo. Em alguns, mais que em outros, essa percepção pode estar mais aguçada em consequência dos estímulos recebidos. Pode ser que o sistema, o mecanismo interno do nosso aluno esteja anestesiado, o que justamente fez com que ele adquirisse padrões impedidores de um movimento fluído e organizado. Cabe a nós, facilitadores/professores compreendermos que esta foi a forma que este indivíduo conseguiu se organizar e se orientar no espaço externo. Cumpre o nosso papel de investigar se essas limitações foram causadas por uma restrição estrutural ou pela inibição do gesto. É um trabalho desafiador e o sucesso dependerá do quanto o nosso corpo/professor está presente e organizado para atender as exigências deste outro corpo que chegou até nós e do nosso respeito para com as questões e individualidades deste corpo/aluno/paciente e do quanto de espaço interno ele disponibilizará para que as mudanças dos padrões aconteçam. Um olhar compreensivo e profissional construirá uma relação de confiança favorecendo a parceria entre facilitador/professor e aluno/paciente. É muito importante que neste diálogo se esclareça que a percepção do corpo é conquistada a partir de uma real escuta e que os resultados dependem do quanto o aluno é partícipe. E neste trabalho não ter como objeto o gasto de energia na busca do “certo ou errado” e sim, focarmos no que o corpo pode fazer, quais são as suas possibilidades e as não possibilidades, observar juntos a velocidade, o ritmo que vem do interno do corpo. Assim sendo, o professor/facilitador usará de seus conhecimentos para instrumentalizar o aluno no seu autocuidado e autonomia.

Torna-se indispensável observarmos as respostas ao tom e velocidade da nossa voz, porque esta também é uma forma de tocar nossos alunos e orientá-los no espaço, mas o toque através da fala e o uso dos acessórios como procedimentos para estimular a percepção dos nossos alunos são assuntos para a próxima edição do nosso Caderno Corporal.

Um grande beijo!

Referências:
Live: Toque de Tensegridade. Bruna Petito e Fernando Bertolucci

Bertolucci. Luiz Fernando. O toque como um acesso ao psicossomático
http://www.sedes.org.br/Departamentos/Revistas/psicossomatica_psicanalitica/index.php?apg=arti
go_view&ida=38&ori=edicao
COHEN. Bonnie Bainbridge. Sentir, perceber e agir: educação somática pelo método Body-
Mind Centering. Edições Sesc São Paulo. 2015

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