Ser Dia e Ser Noite – Corporificando a experiência
INNER SENSE

Data

Escrito por Constância Matos

“O corpo ocupa o coração de nosso processo de investigação.” (Danis Bois)

Viver e ser vivido, corporificar a experiência e expressar-se a si mesmo. Organizar-se no mundo a partir de um ritmo próprio; um ritmo que possibilite o entendimento do que se é, de onde está e onde se quer chegar. Esta edição do caderno Corporal é um convite para pensarmos o papel do corpo e a sua relação com as nossas experiências e a aprendizagem, sob a luz dos estudos somáticos de Stanley keleman.

Em, “O Corpo diz sua mente”, seu primeiro livro conceitual, Keleman parte de dois eventos bem marcados em um dia comum do indivíduo para falar sobre experiência: O “levantar-se pela manhã”, e “dormir à noite”. Ele chama de “processo de organização” o modo como nós nos estruturamos somaticamente para “ser dia”, “estar de pé”, “vestir-se da excitação”,
excitação que propulsiona o aprender, compartilhar e realizar coisas; e como ser noite, pausar, dar-se o descanso, se colocar na horizontal para que o corpo assimile todas as informações do dia vivido.

A nossa verticalidade dá início ao processo que conhecemos como consciência humana, humanidade..[…] Ficamos de pé e aumentamos o nosso envolvimento. Quando ficamos sobre os nossos pés, focamos e exprimimos a nós mesmos. Ficar de pé muda a nossa ênfase da experiência à expressão. A experiência quando está presente na expressão, não requer foco ou risco. A experiência nos preenche e expande. (keleman, 1996, p16).

Este padrão rítmico (acordar e dormir), organiza o indivíduo no mundo como um corpo sensível/formativo, que corrobora para que cada ser viva em um ajuste contínuo, a fim de interagir com o outro, com o ambiente e também para ser ele mesmo. Um corpo em um contínuo processo formativo, um corpo vivo que estabelece relações e que se molda a partir da consciência.

Reconheço-me como corpo no mundo, “existo” a partir da minha história de vida pessoal, história que forma os meus gestos, e a minha expressão corporal, através da qual afirmo a minha existência.

Estamos o tempo todo buscando preencher e ser preenchidos, o levantar-se da cama e sair para realizar as diversas tarefas de um dia oportuniza a minha conexão com o que está fora de mim e com o que está dentro, a clareza destes dois lugares oportunizados pela experiência me dá condições de re-padronizar o comportamento e também de adquirir novas aprendizagens.

Keleman chama nossa atenção para um lugar muito importante no processo da autoformação e da aprendizagem: o reconhecimento da dimensão do tempo. De acordo com Keleman os conflitos de aprendizagem surgem quando não reconhecemos o nosso tempo de aprendizagem, quando impomos a velocidade de outra pessoa à nossa velocidade e quando não consigo construir somaticamente o tempo (não permitir que as coisas finalizem), não há permissão de se passar de uma coisa para outra.

Quando nos sensibilizamos para o tempo que alguém leva para fazer alguma coisa então podemos mudar a maneira pela qual nos relacionamos. Podemos criar um tempo compartilhado, retirar-nos para nosso próprio tempo e, quando necessário, atuar sobre o tempo de outras pessoas. (Keleman, 1994, p.44)

Uma vez estabelecida a noção do tempo para as coisas, permitimos que a experiência aconteça por si mesma, saímos da posição daquele que inspeciona, do que julga e critica. Ao deixarmos esse lugar de observadores/julgadores de processos, entramos no lugar disponível para a aprendizagem, o lugar da empatia, da sensibilidade ao tempo de cada um.

Esse é o lugar que a abordagem somática do Inner Balance quer trazer para nós instrutores/facilitadores do movimento e para nossos alunos/aprendizes. Um lugar onde um ser é afetado pelo outro.

Um lugar não hierárquico, um lugar sensível ao ritmo da corporificação da aprendizagem, reorganizando a nós mesmos e aquilo que nos cerca. Um lugar onde juntos aprendemos a “ser dia” e a “ser noite”.

Bibliografia consultada

KELEMAN Stanley. Realidade Somática. Experiência corporal e verdade emocional. Summus editorial, Brasil 1994
_ O corpo diz sua mente. 2a ed. Summus editorial, Brasil 1996
_ Corporificando a experiência. Construindo uma vida pessoal. 3ª edição. Summus editorial, Brasil.

Mais
artigos